Vai, por aí, uma enorme barafunda sobre conceitos, valores, políticas e saídas para a crise.
As instituições internacionais mostram-se impotentes para ultrapassar este tempo de dificuldades que já se vai tornando longo e penoso.
Fomos iludidos por um “novo céu e uma nova terra” que nos trouxe desafogo económico, bem-estar, melhor qualidade de vida, algum progresso e crescimento económico. Mas quando julgávamos que esse estádio não teria retorno e que estávamos prestes a chegar ao “comboio da frente”, desaba sobre o nosso quotidiano um rosário de desgraças e de insegurança que abala também a frágil tranquilidade dos que se aproximam do ocaso da vida.
Vem-nos à memória o sermão do Pe. António Vieira sobre a guerra em que ele a define como um monstro, uma tempestade terrestre, a calamidade de todas as calamidades, a insegurança: “o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a sua honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.”
Este parece ser o reatrato mais fiél do tempo presente.
Estudos recentemente divulgados sobre a felicidade mundial revelam que Portugal está em 75.º lugar numa lista de mais de 150 países, muito abaixo do índice de desenvolvimento humano, onde ocupamos a 41ª posição.
A crise transformou-se numa doença grave que afecta mais de 800 mil desempregados, um terço da população jovem sem trabalho, os idosos e reformados que aguardavam por um fim de vida mais tranquilo, embora afectado pelos achaques da idade.
Ninguém está imune ao descalabro a que nos conduziu o neoliberalismo económico, implementado nos anos 80 para revitalizar o capitalismo e afirmar a sua preponderância face à desagregação dos países de leste. O rico viu crescer, desmesuradamente, a sua fortuna mas agora teme pela banca rôta da Grécia e de outros países; o pobre vê-se injustiçado pelo fosso criado entre pessoas com direitos iguais; os industriais ligadas à construcção, aos texteis ou à indústria pesada, os pequenos comerciantes cessam actividades; os operadores turísticos e afins , de repente, viram caír o poder de compra no primeiro mundo. Todos assistem ao surgimento das economias emergentes do sudeste asiático, para onde a globalização deslocalizou a produção das multinacionais, aproveitando-se da mão de obra barata e sem cuidarem da defesa e implementação dos direitos fundamentais.
A Europa dos cidadãos, objectivo apregoado nas últimas décadas, transformou-se num espaço de desigualdades e incertezas. A austeridade fria e dura, a alteração do código laboral e alegadas reformas que os governantes pregam como necessárias para a próxima retoma económica, redundaram em fracasso, trouxeram a recessão, falências e o flagelo do desemprego, como previram alguns opositores do memorando da troika.
Portugal é hoje um país tutelado por credores desumanos e sem escrúpulos que nos sugam altos juros de impostos muito elevados.
De país administrante do último império colonial em que o senhores do regime pateticamente se sentiam “orgulhosamente sós”, passámos a tutela de capital angolano de muito duvidosa proveniência.
Perante a incapacidade para dar uma volta a isto, os governantes, arautos do neoliberalismo, e do fim do estado-providência, aconselham os jovens a emigrar, apontam o desemprego como uma oportunidade e manifestam-se mudos e quedos perante o descontentamento geral e o aumento crescente de dificuldades e falta de soluções.
A Europa está a um passo ou do colapso ou da mudança, e a Grécia, mãe da democracia, vai acelerar esse desfecho.
Os ventos, porém, são de mudança e de esperança. Sopram no cidadão comum e manifestam-se já na Alemanha, na Inglaterra, na França e, paulatinamente, noutros países.
O neoliberalismo conduziu-nos até aqui. Há que mudar de paradigma e de colocar no devido lugar o Homem, promovendo a justiça e a equidade, protegendo o ambiente, a família, o trabalho e a realização pessoal e colectiva.
O dinheiro e o lucro devem estar ao serviço da humanidade e não o contrário.
Para os cidadãos voltarem a credibilizar a Europa e os governos, importa devolver-lhes a confiança, a segurança, a felicidade e a paz.
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